Os religiosos e a fecundidade da Profecia

13/02/2017

fd6122373628bdb24ac24b0d2eb6e956Os religiosos e a fecundidade da profecia. “Não há necessidade de se tornar cardeal para se acreditar príncipe! Basta ser clerical”, diz o Papa Francisco aos religiosos.
REVISTA IHU ON-LINE
13 Fevereiro 2017
“O papa está atrasado”, dizem-me na entrada da Sala Paulo VI, no dia 25 de novembro de 2016. Dentro, no lugar onde são realizados os Sínodos, estavam à espera 140 superiores gerais de ordens e congregações religiosas masculinas (USG) reunidos no fim da sua 88ª Assembleia Geral. Fora, uma chuva leve. “Ide e dai frutos. A fecundidade da profecia”: esse foi o tema da assembleia, que ocorreu de 23 a 25 de novembro no “Salesianum” de Roma.
A introdução é do jesuíta Antonio Spadaro, diretor da revista La Civiltà Cattolica, n. 4.000, de fevereiro de 2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Não é comum que o pontífice chegue tarde. Às 10h15, eis que chegaram os fotógrafos e, em seguida, o papa, em passos rápidos. Depois do aplauso de saudação, Francisco começa: “Desculpem pelo atraso. A vida é assim: cheia de surpresas. Para entender as surpresas de Deus, é preciso entender as surpresas da vida. Muito obrigado”. E continuou dizendo que não queria que o seu atraso influenciasse no tempo fixado para estar juntos. Por isso, o encontro durou três horas cheias.
Na metade do encontro, houve uma pausa. Havia sido preparada uma salinha reservada para o papa, mas ele exclamou: “Por que vocês querem que eu fique totalmente sozinho?”. E assim a pausa viu o papa alegremente entre os gerais tomando um café e um lanche, saudando a um e a outro.
Não houve nenhum discurso preparado com antecedência, nem da parte dos religiosos, nem da parte do papa. As câmeras do Centro Televisivo Vaticano gravaram apenas as saudações iniciais e depois foram embora. O encontro devia ser livre e fraterno, feito de perguntas e respostas não filtradas. O papa não quis lê-las com antecedência. Depois de receber uma brevíssima saudação do Pe. Mario Jöhri, ministro-geral dos Freis Capuchinhos e presidente da USG, e do Pe. David Glenday, comboniano, secretário-geral, o papa ouviu as perguntas da assembleia.
E se houvesse críticas? “É bom ser criticado – afirmou o papa –, eu gosto disso, sempre. A vida também é feita de incompreensões e de tensões. E, quando são críticas que fazem crescer, eu as aceito, respondo. As perguntas mais difíceis, porém, não são feitas pelos religiosos, mas pelos jovens. Os jovens colocam você em apuros, eles sim. Os almoços com os jovens nas Jornadas Mundiais da Juventude ou em outras ocasiões, essas situações me colocam em apuros. Os jovens são atrevidos e sinceros, e eles perguntam a você as coisas mais difíceis. Agora, façam as suas perguntas.”
Eis o diálogo.
1- Santo Padre, nós reconhecemos a sua capacidade de falar com os jovens e de inflamá-los pela causa do Evangelho. Nós sabemos, também, do seu empenho para aproximar os jovens da Igreja. Por isso, o senhor convocou o próximo Sínodo dos Bispos sobre os jovens, a fé e o discernimento vocacional. Que motivações o levaram a convocar o Sínodo sobre os jovens? Que sugestões nos oferece para ir ao encontro dos jovens hoje?
No fim do Sínodo passado, cada participante deu três sugestões sobre o tema a ser abordado no próximo. Depois, foram consultadas as Conferências Episcopais. As convergências foram sobre temas fortes, a juventude, formação sacerdotal, diálogo inter-religioso e paz. No primeiro Conselho pós-sinodal, foi feita uma boa discussão. Eu estava presente. Eu sempre vou, mas não falo. Para mim, o importante é realmente escutar. É importante que eu escute, mas deixo que eles trabalhem livremente. Desse modo, eu entendo como as problemáticas emergem, quais são as propostas e os nós, e como são enfrentados.
Eles escolheram os jovens. Mas alguns sublinhavam a importância da formação sacerdotal. Pessoalmente, trago muito no coração o tema do discernimento. Eu o recomendei várias vezes aos jesuítas: na Polônia e, depois, na Congregação Geral. O discernimento reúne a questão da formação dos jovens para a vida: de todos os jovens e, em particular, com mais razão, também dos seminaristas e dos futuros pastores. Porque a formação e o acompanhamento ao sacerdócio precisam do discernimento.
No momento, esse é um dos maiores problemas que temos na formação sacerdotal. Na formação, estamos acostumados às fórmulas, aos brancos e aos pretos, mas não aos cinzas da vida. E o que importa é a vida, não as fórmulas. Devemos crescer no discernimento. A lógica do preto e branco pode levar à abstração casuística. Em vez disso, o discernimento é seguir em frente no cinza da vida, de acordo com a vontade de Deus. E a vontade de Deus é buscada de acordo com a verdadeira doutrina do Evangelho, e não no fixismo de uma doutrina abstrata. Raciocinando sobre a formação dos jovens e sobre a formação dos seminaristas, eu decidi o tema final assim como foi comunicado: “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”.
A Igreja deve acompanhar os jovens no seu caminho rumo à maturidade, e somente com o discernimento e não com as abstrações é que os jovens podem descobrir o seu projeto de vida e viver uma vida realmente aberta a Deus e ao mundo. Portanto, eu escolhi esse tema para introduzir o discernimento com maior força na vida da Igreja. Outro dia, tivemos a segunda reunião do Conselho pós-sinodal. Discutiu-se muito bem sobre esse assunto. Eles prepararam o primeiro esboço sobre os Lineamenta, que logo deverá ser enviado às Conferências Episcopais. Religiosos também trabalharam. Saiu um esboço bem preparado.
Este, no entanto, é o ponto-chave: o discernimento, que é sempre dinâmico, como a vida. As coisas estáticas não são boas. Especialmente com os jovens. Quando eu era jovem, a moda era fazer reuniões. Hoje, as coisas estáticas, como as reuniões, não vão bem. Deve-se trabalhar com os jovens fazendo coisas, trabalhando, com as missões populares, o trabalho social, com o fato de ir a cada semana para dar de comer aos sem-teto. Os jovens encontram o Senhor na ação. Em seguida, depois da ação, deve-se fazer uma reflexão. Mas a reflexão sozinha não ajuda: são ideias… apenas ideias. Então, duas palavras: escuta e movimento. Isso é importante. Mas não somente formar os jovens à escuta, mas sim, acima de tudo, escutá-los, aos próprios jovens. Essa é uma primeira tarefa importantíssima da Igreja: a escuta dos jovens. E, na preparação do Sínodo, a presença dos religiosos é realmente importante, porque os religiosos trabalham muito com os jovens.

2 – O que espera da vida religiosa na preparação do Sínodo? Que esperanças o senhor tem para o próximo Sínodo sobre os jovens, à luz da diminuição das forças da vida religiosa no Ocidente?
Certamente, é verdade que há uma diminuição das forças da vida religiosa no Ocidente. Certamente, ela está ligada ao problema demográfico. Mas também é verdade que, às vezes, a pastoral vocacional não responde às expectativas dos jovens. O próximo Sínodo nos dará ideias. A diminuição da vida religiosa no Ocidente me preocupa.
Mas também me preocupa outra coisa: o surgimento de alguns novos institutos religiosos que levantam algumas preocupações. Não estou dizendo que não deve haver nenhum novo instituto religioso! Absolutamente não. Mas, em alguns casos, eu me interrogo sobre o que está acontecendo hoje. Alguns deles parecem uma grande novidade, parecem expressar uma grande força apostólica, arrastam muitos e depois… fracassam. Às vezes, descobre-se até que, por trás, havia coisas escandalosas… Há pequenas fundações novas que são realmente boas e que fazem as coisas seriamente. Vejo que, por trás dessas boas fundações, às vezes, há grupos de bispos que acompanham e garantem o seu crescimento. Mas há outras que nascem não de um carisma do Espírito Santo, mas de um carisma humano, de uma pessoa carismática que atrai por causa dos seus dotes humanos de fascínio.
Alguns são, eu poderia dizer, “restauracionistas”: parecem dar segurança e, em vez disso, dão apenas rigidez. Quando me dizem que há uma congregação que atrai muitas vocações, confesso, eu me preocupo. O Espírito não funciona com a lógica do sucesso humano: ele tem outro modo. Mas me dizem: há tantos jovens decididos a tudo, que rezam tanto, que são muito fiéis. E eu digo a mim mesmo: “Muito bem, vamos ver se é o Senhor!”.
Alguns, depois, são pelagianos: querem voltar à ascese, fazem penitência, parecem soldados prontos para tudo pela defesa da fé e dos bons costumes… e, depois, estoura o escândalo do fundador ou da fundadora… Nós sabemos, não é verdade? O estilo de Jesus é outro. O Espírito Santo fez barulho no dia de Pentecostes: estava no início. Mas, normalmente, ele não faz tanto barulho, traz a cruz. O Espírito Santo não é triunfalista. O estilo de Deus é a cruz que se carrega em frente até que o Senhor diga “basta”. O triunfalismo não vai bem de acordo com a vida consagrada.
Portanto, não coloquem a esperança no florescimento repentino e maciço desses institutos. Em vez disso, busquem o caminho humilde de Jesus, o do testemunho evangélico. Bento XVI disso isso muito bem: a Igreja não cresce por proselitismo, mas por atração.

3 – Por que escolheu três temáticas marianas para as próximas três Jornadas Mundiais da Juventude que conduzirão à Jornada Mundial do Panamá?
Os temas marianos para as próximas três Jornadas Mundiais da Juventude não foram escolhidos por mim! Da América Latina, pediram isto: uma forte presença mariana. É verdade que a América Latina é muito mariana, e me pareceu uma coisa muito boa. Eu não tive outras propostas e fiquei contente assim. Mas a Nossa Senhora verdadeira! Não a Nossa Senhora chefe de uma agência dos correios que, a cada dia, envia uma carta diferente, dizendo: “Meus filhos, façam isto e, depois, no dia seguinte, façam aquilo”. Não, não essa. A Nossa Senhora verdadeira é aquela que gera Jesus no nosso coração, que é Mãe. Essa moda da Nossa Senhora superstar, como uma protagonista que coloca a si mesma no centro, não é católica.

4 – Santo Padre, a sua missão na Igreja não é fácil. Apesar dos desafios, das tensões, das oposições, o senhor nos oferece o testemunho de um homem sereno, de um homem de paz. Qual é a fonte da sua serenidade? De onde vem essa confiança que lhe inspira e que também pode apoiar a nossa missão? Chamados a ser líderes religiosos, o que nos sugere para viver com responsabilidade e paz a nossa tarefa?
Qual é a fonte da minha serenidade? Não, eu não tomo comprimidos tranquilizantes! Os italianos dão um bom conselho: para viver em paz, é preciso um sadio menefreghismo [não estar nem aí]. Eu não tenho problemas em dizer que o que eu estou vivendo é uma experiência completamente nova para mim. Em Buenos Aires, eu era ansioso, admito. Sentia-me mais tenso e preocupado. Em suma: eu não era como agora. Tive uma experiência muito particular de paz profunda desde que fui eleito. E não me deixa mais. Vivo em paz. Eu não sei explicar.
Para o conclave, me disseram que, nas apostas em Londres, eu estava no número 42 ou 46. Eu não previa isso, de fato. Também deixei a homilia pronta para a Quinta-feira Santa. Nos jornais, se dizia que eu era um king maker, mas não o papa. No momento da eleição, eu simplesmente disse: “Senhor, sigamos em frente!”. Eu senti paz, e essa paz não foi embora.
Nas Congregações Gerais, falava-se dos problemas do Vaticano, falava-se de reformas. Todos as queriam. Há corrupção no Vaticano. Mas eu estou em paz. Se há um problema, eu escrevo um bilhete para São José e o coloco debaixo de uma estatueta que eu tenho no meu quarto. É a estátua de São José que dorme. E agora ele dorme sobre um colchão de bilhetes! Por isso, eu durmo bem: é uma graça de Deus. Eu sempre durmo seis horas. E rezo. Rezo à minha maneira. Eu gosto muito do breviário e nunca o deixo. A missa, todos os dias. O rosário… Quando rezo, eu sempre pego a Bíblia. E a paz cresce. Não sei se esse é o segredo… A minha paz é um presente do Senhor. Que Ele não a tire de mim!
Eu acredito que cada um deve encontrar a raiz da eleição que o Senhor fez por ele. Aliás, perder a paz não ajuda em nada a sofrer. Os superiores devem aprender a sofrer, mas a sofrer como um pai. E também a sofrer com muita humildade. Por esse caminho, pode-se ir da cruz à paz. Mas nunca lavar as mãos dos problemas! Sim, na Igreja há os Pôncios Pilatos que lavam as mãos para ficar tranquilos. Mas um superior que lava as mãos não é pai e não ajuda.

5 – Santo Padre, nos seus discursos, o senhor nos disse muitas vezes que o específico da vida religiosa é a profecia. Debatemos por muito tempo sobre o que significa ser radical na profecia. Quais são as “zonas de segurança e de conforto” das quais somos chamados a sair? O senhor falou para as freiras de uma “ascese profética e credível”. Como a entende em uma perspectiva renovada de “cultura da misericórdia”? Como a vida consagrada pode contribuir para essa cultura?
Seja radical na profecia. Para mim, isso importa muito. Vou tomar como “ícone” Joel. Muitas vezes ele me vem à mente, e sei que vem de Deus. Ele diz: “Os anciãos terão sonhos, e os jovens profetizarão”. Este versículo é um núcleo da espiritualidade das gerações. Ser radical na profecia é o famoso sine glossa, a regra sine glossa, o Evangelho sine glossa. Ou seja: sem calmantes! O Evangelho deve ser tomado sem calmantes. Assim fizeram os nossos fundadores.
Devemos encontrar a radicalidade da profecia nos nossos fundadores. Eles nos recordam que somos chamados a sair das nossas zonas de conforto e segurança, de tudo aquilo que é mundanidade: no modo de viver, mas também em pensar caminhos novos para os nossos institutos. Os caminhos novos devem ser buscados no carisma fundacional e na profecia inicial. Devemos reconhecer, pessoal e comunitariamente, qual é a nossa mundanidade.
Até mesmo a ascética pode ser mundana. Mas, ao contrário, deve ser profética. Quando eu entrei no noviciado dos jesuítas, eles me deram o cilício. Tudo bem com o cilício também, mas atenção: ele não deve me ajudar a demonstrar como sou bom e forte. A verdadeira ascese deve me fazer mais livre. Eu acho que o jejum é algo que conserva atualidade: mas como eu faço o jejum? Simplesmente não comendo? Santa Teresinha também tinha outro modo: nunca dizia o que lhe agradava. Não se lamentava e tomava tudo que lhe davam. Há uma ascese cotidiana, pequena, que é uma mortificação constante. Vem à mente uma frase de Santo Inácio que ajuda a ser mais livre e feliz. Ele dizia que, para seguir o Senhor, a mortificação ajuda em todas as coisas possíveis. Se uma coisa ajuda você, faça-a, até mesmo o cilício! Mas somente se ajuda você a ser mais livre, não serve para que você mostre a si mesmo que é forte.
O que envolve a vida comunitária? Qual é o papel de um superior para conservar essa profecia? Que aporte podem dar os religiosos para contribuir com a renovação das estruturas e da mentalidade da Igreja?
A vida comunitária? Alguns santos a definiram como uma contínua penitência. Existem comunidades em que as pessoas se descascam e se depenam! Se a misericórdia não entra na comunidade, não é bom. Para os religiosos, a capacidade de perdão muitas vezes deve começar na comunidade. E isso é profético. Sempre se começa com a escuta: que todos se sintam escutados. É preciso escuta e persuasão também da parte do superior. Se o superior repreende continuamente, ele não ajudar a criar a profecia radical da vida religiosa. Estou convencido de que os religiosos estão em vantagem para dar uma contribuição para a renovação das estruturas e da mentalidade da Igreja.
Nos conselhos presbiterais das dioceses, os religiosos ajudam no caminho. E não devem ter medo de dizer as coisas. Nas estruturas da Igreja, entra o clima mundano e principesco, e os religiosos podem contribuir para destruir esse clima nefasto. E não há necessidade de se tornar cardeal para se acreditar príncipe! Basta ser clerical. Isso é o que há de pior na organização da Igreja. Os religiosos podem contribuir com o testemunho de uma fraternidade mais humilde. Os religiosos podem dar o testemunho de um iceberg de cabeça para baixo, em que a ponta, ou seja, a cúpula, a cabeça está invertida, está embaixo.

6 – Santo Padre, nós temos esperança de que, através da sua liderança, desenvolvam-se melhores relações entre vida consagrada e Igrejas particulares. O que nos sugere para expressar plenamente os nossos carismas nas Igrejas particulares e para enfrentar as dificuldades que às vezes surgem nas relações com os bispos e com o clero diocesano? Como vê a realização do diálogo da vida religiosa com os bispos e a colaboração com a Igreja local?
Há muito tempo, pede-se para rever os critérios sobre as relações entre os bispos e os religiosos estabelecidos em 1978 pela Congregação para os Religiosos e pela Congregação para os Bispos no documento Mutuae relationes. Já no Sínodo de 1994, tinha-se falado disso. Esse documento responde a um certo tempo e não é mais tão atual. O tempo está maduro para a mudança.
É importante que os religiosos se sintam plenamente dentro da Igreja diocesana. Plenamente. Às vezes, há tantas incompreensões que não ajudam a unidade, e, então, é preciso dar um nome aos problemas. Os religiosos devem estar nas estruturas de governo da Igreja local: conselhos de administração, conselhos presbiterais… Em Buenos Aires, os religiosos elegiam os seus representantes no conselho presbiteral. O trabalho deve ser compartilhado nas estruturas das dioceses. Os religiosos devem estar nas estruturas de governo da diocese. Isolados, não nos ajudamos. Nisso, deve-se crescer muito. E assim também o bispo é ajudado a não cair na tentação de se tornar um pouco príncipe…
Mas a espiritualidade também deve ser difundida e compartilhada, e os religiosos são portadores de fortes correntes espirituais. Em algumas dioceses, os sacerdotes do clero diocesano se reúnem em grupos de espiritualidade franciscana, carmelita… Mas que o estilo de vida possa ser compartilhado: alguns padres diocesanos se perguntam por que não podem viver juntos para não ficarem sozinhos, por que não podem viver uma vida mais comunitária. O desejo surge, por exemplo, quando se tem o bom testemunho de uma paróquia administrada por uma comunidade de religiosos. Portanto, há um nível de colaboração radical, por ser espiritual, de alma. E estar perto espiritualmente na diocese entre o clero e os religiosos ajuda a resolver as possíveis incompreensões. Podem ser estudadas e repensadas tantas coisas. Entre elas, também a duração do serviço como pároco, que me parece breve, e se mudam os párocos muito facilmente.
Eu não escondo que, além disso, há tantos outros problemas em um terceiro nível, ligado à gestão econômica. Os problemas surgem quando se tocam os bolsos! Eu penso na questão da alienação dos bens. Com os bens, devemos ser muito delicados. A pobreza é medular na vida da Igreja. Seja quando ela é observada, seja quando ela não é observada. As consequências são sempre fortes.

7 – Santo Padre, assim como a Igreja, a vida religiosa também está empenhada em enfrentar as situações de abusos sexuais de menores e de abusos financeiros com transparência e determinação. Tudo isso é um contra-testemunho, provoca escândalos e tem também repercussões sobre a proposta profissional e sobre a ajuda dos benfeitores. Que medidas nos sugere para evitar tais escândalos nas nossas congregações?
Talvez não haja tempo para uma resposta muito articulada, e confio na sabedoria de vocês. Deixem-me dizer, porém, que o Senhor quer muito que os religiosos sejam pobres. Quando não o são, o Senhor manda um ecônomo que leva o instituto à falência! Às vezes, as congregações religiosas são acompanhadas por um administrador considerado “amigo” e que, depois, as faz falir. No entanto, o critério fundamental para um ecônomo é o de não ser pessoalmente apegado ao dinheiro. Uma vez, aconteceu que uma freira ecônoma desmaiou, e uma coirmã disse aos que a socorriam: “Passem uma nota de dinheiro debaixo do nariz, e ela certamente vai se recuperar!”. É de rir, mas também de se refletir. Depois, é importante verificar como os bancos investem o dinheiro. Nunca deve acontecer que haja investimentos em armas, por exemplo. Nunca.
Sobre os abusos sexuais: parece que, de cada quatro pessoas que abusam, duas foram abusadas, por sua vez. Semeia-se o abuso no futuro: é devastador. Se padres ou religiosos estão envolvidos, é claro que está em ação a presença do diabo que arruína a obra de Jesus mediante aquele que devia anunciar Jesus. Mas falemos claramente: essa é uma doença. Se não estivermos convencidos de que essa é uma doença, não se poderá resolver bem o problema. Portanto, atenção ao receber em formação candidatos à vida religiosa sem se certificar bem da sua adequada maturidade afetiva. Por exemplo: nunca receber na vida religiosa ou em uma diocese candidatos que foram rejeitados por outro seminário ou por outro instituto sem pedir informações muito claras e detalhadas sobre as motivações do afastamento.

8 – Santo Padre, a vida religiosa não está em função de si mesma, mas da sua missão no mundo. O senhor nos convidou a ser uma Igreja em saída. Do seu ponto de vista, a vida religiosa, nas diversas partes do caminho, está operando essa conversão?
A Igreja nasceu em saída. Ela estava trancada no Cenáculo e depois saiu. E deve permanecer em saída. Não deve voltar a se trancar no Cenáculo. Jesus quis que fosse assim. E “fora” significa aquelas que eu chamo de periferias, existenciais e sociais. Os pobres existenciais e os pobres sociais impulsionam a Igreja para fora de si. Pensemos em uma forma de pobreza, aquela ligada ao problema dos migrantes e dos refugiados: mais importante do que os acordos internacionais é a vida dessas pessoas! E precisamente no serviço da caridade, é também possível encontrar um ótimo campo para o diálogo ecumênico: são os pobres que unem os cristãos divididos! Esses são todos desafios abertos para os religiosos de uma Igreja em saída. A Evangelii gaudium quer comunicar esta necessidade: sair. Eu gostaria que se voltasse a essa exortação apostólica com a reflexão e a oração. Ela amadureceu à luz da Evangelii nuntiandi e do trabalho feito em Aparecida. Contém uma ampla reflexão eclesial. E, por fim, recordemos sempre: a misericórdia é Deus em saída. E Deus é sempre misericordioso. Vocês também, saiam.

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